Histórico

Abaixo relatos sobre as atividades do Prof. Carlos Peres relacionadas à sua atução acadêmica.

1 – RESUMO DE ATIVIDADES

            Durante minha Iniciação Científica trabalhei com dosagens de inibidores naturais de enzimas proteolíticas em sementes de leguminosas, inicialmente verificando a correlação dessas proteínas com a resistência ao ataque de vírus, o que resultou numa comunicação na XV Reunião Anual, da então Sociedade Brasileira de Bioquímica. Ainda durante a Iniciação Científica, participei das atividades do grupo liderado pelo Prof. Xavier-Filho na elucidação dos mecanismos de defesa das sementes de feijão de corda (Vigna unguiculata) contra o caruncho Callosobruchus maculatus. Nesta linha, colaborei significativamente para a obtenção dos dados que resultaram em várias comunicações durante os congressos da SBBq entre os anos de 1986 e 1988, e na publicação de dois artigos em revistas estrangeiras. Um desses artigos, publicado na revista JOURNAL OF AGRICULTURAL AND FOOD CHEMISTRY (Xavier-Filho et al., 1989), mostra não haver correlação entre os níveis de diversos compostos potencialmente envolvidos na defesa de plantas contra o ataque de insetos e os níveis de resistência/susceptibilidade de várias cultivares de V. unguiculata a duas espécies de carunchos, C. maculatus e Zabrotes subfasciatus. Esses dados contrariavam uma afirmação vigente na naquela época de que os níveis de inibidores de tripsina encontrados em cultivares resistentes ao caruncho C. maculatus explicariam a resistência (Gatehouse et al., 1979). O segundo artigo, publicado na revista COMPARATIVE BIOCHEMISTRY AND PHYSIOLOGY (Campos et al., 1989), mostra que o bruquídeo C. maculatus se utiliza principalmente de proteinases cisteínicas para digestão de proteínas das suas sementes hospedeiras, não sendo essas hidrolases afetadas por inibidores de proteinases serínicas encontrados nessas sementes. Este último trabalho também incluiu a demonstração de uma grande variedade de amilases digestivas no intestino médio de C. maculatus. O período de minha iniciação científica serviu para que eu me familiarizasse com as metodologias empregadas no laboratório, bem como foi crucial para a aquisição de uma postura científica que preza pela resolução de problemas de origem biológica.

            Imediatamente após o término do meu curso de Bacharelado, prestei exame de admissão ao curso de Mestrado em Bioquímica Vegetal do DBBM, sendo selecionado em primeiro lugar e contemplado com uma bolsa do CNPq. No meu Mestrado continuei estudando as proteinases digestivas de C. maculatus e Z. subfasciatus. Meu projeto tinha como objetivo verificar se havia diferenças quantitativas e/ou qualitativas com relação às proteinases digestivas desses dois bruquídeos que pudessem ser correlacionadas com os diferentes potenciais destes insetos para o consumo das sementes de V. unguiculata. Sabíamos que Z. subfasciatus se desenvolvia com sucesso tanto nas cultivares susceptíveis, quanto nas cultivares resistentes a C. maculatus. Havíamos também demonstrado, trabalhando com Z. subfasciatus, a presença de proteinases da classe aspártica, em trabalho publicado na revista ENTOMOLOGIA EXPERIMENTALIS ET APPLICATA (Lemos et al., 1990). Restava verificar se este tipo de proteinase também se encontrava em C. maculatus, e se as diferenças na capacidade em se desenvolver nas diferentes cultivares de feijão-de-corda podiam ser correlacionadas com diferenças no sistema proteolítico das duas espécies de insetos.

            Meu trabalho de Mestrado resultou além da publicação da minha dissertação, intitulada “Comparação entre os níveis de Proteinases Aspárticas e Cisteínicas nos Intestinos médios das Larvas de Callosobruchus maculatus e Zabrotes subfasciatus (Coleoptera:Bruchidae)“, em duas comunicações científicas em congressos, uma na XVIII Reunião Anual da SBBq, e outra no VI Congresso da Associação Pan-americana das Sociedades de Bioquímica (PAABS), que ocorreu simultaneamente com a XIX Reunião Anual da SBBq, e em dois artigos originais em revistas de divulgação científica. Um destes artigos foi publicado na revista ARQUIVOS DE BIOLOGIA E TECNOLOGIA (Lopes et al., 1989), e o outro na revista COMPARATIVE BIOCHEMISTRY AND PHYSIOLOGY (Silva & Xavier-Filho, 1991). O artigo na revista brasileira serviu para divulgar dados de controle interno do trabalho, mostrando o nível de proteinase aspártica presente na semente, que pôde ser comparado com os níveis de atividade proteolítica medidos em homogeneizados dos intestinos-médios dos insetos, e assim ficar demonstrado que as atividades medidas nos homogeneizados intestinais eram resultantes de enzimas secretadas pelos carunchos, sem contribuição significativa de proteinases das sementes. O artigo publicado na revista estrangeira trata da purificação e caracterização parciais de uma proteinase aspártica do intestino médio de C. maculatus, além de fazer uma comparação quantitativa entre os níveis de proteinases aspárticas e cisteínicas nas duas espécies de bruquídeos, mostrando que Z. subfasciatus possui níveis consideravelmente mais altos de ambos os tipos de proteinases, principalmente nos níveis de proteinase aspártica. Estes resultados foram os primeiros que se correlacionaram diretamente com as respostas dos insetos frente às diversas cultivares de V. unguiculata, ou seja, quanto maior o potencial em atividade proteinásica, maior a sobrevivência das larvas nas sementes infestadas.

            A minha passagem pelo Laboratório do Prof. Xavier-Filho reflete o meu interesse pela linha de pesquisa que envolve as interações entre insetos e plantas, em especial aquelas relacionadas à digestão dos componentes de sementes pelos insetos. Este interesse também se refletiu em produção, pois colaborei em todos os trabalhos publicados pelo grupo em forma de artigos originais em revistas estrangeiras contendo dados referentes aos insetos, durante a minha estadia no Laboratório 2038 do DBBM da UFC.

            Concluído o Mestrado, ingressei logo em seguida no Doutorado, sob orientação do Prof. Walter Ribeiro Terra, no Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo. O Prof. Terra me sugeriu como tema de doutoramento o estudo da digestão de um percevejo sugador de sementes de algodão, tema que ao meu ver deu continuidade perfeita à formação que eu tive durante o Mestrado. Com quatro anos de doutoramento, acumulei resultados bastante interessantes, parte dos quais foi reunida num trabalho publicado na revista INSECT BIOCHEMISTRY AND MOLECULAR BIOLOGY (Silva & Terra, 1994). Esse trabalho envolve desde a quantificação e determinação da distribuição espacial das principais enzimas digestivas, à determinação dos sítios de absorção de água, glicose e de leucina ao longo do intestino médio do inseto, à determinação dos pHs e potencial redox do lúmen intestinal, do tráfego do bolo alimentar, bem como à distinção entre enzimas do inseto e enzimas da semente, através da determinação de parâmetros cinéticos e físicos, como massa molecular, Km e inativação térmica, e ainda determinações da composição em carboidratos e compostos nitrogenados da semente. Este tipo de dados nos ajuda a entender melhor a adaptação, nos níveis bioquímico e fisiológico, do inseto à sua dieta. Além deste trabalho de 1994, uma outra publicação na edição de maio de 1995 da INSECT BIOCHEMISTRY AND MOLECULAR BIOLOGY (Silva & Terra, 1995) apresenta resultados referentes à purificação e caracterização de uma a-glucosidase digestiva majoritária do percevejo sugador de sementes de algodão Dysdercus peruvianus. Este trabalho, além da importância de ser o primeiro a reportar a purificação até à homogeneidade de uma a-glucosidase digestiva em insetos, tratando pela primeira vez da determinação de parâmetros cinéticos para esse tipo de enzimas entre insetos, como inibição múltipla entre substratos e evidências do número de subsítios do sítio ativo, ele trata de uma enzima que se mostrou uma ferramenta importantíssima no estudo da biogênese de um sistema de membranas plasmáticas extracelulares só encontrado na ordem dos percevejos, a ordem Hemiptera e na ordem filogeneticamente mais próxima, a ordem Thysanoptera.

            Em um trabalho publicado na revista JORNAL OF INSECT PHYSIOLOGY (Silva et al., 1995), em colaboração com o Prof. Alberto F. Ribeiro do Instituto de Biociências da USP e do Prof. Sérgio Gulbenkian da Fundação Gulbenkian (Oeiras, Portugal), além do Prof. Walter Terra, mostramos através de técnicas de imunocitoquímica ao nível ultra-estrutural usando um antissoro policlonal contra a a-glucosidase purificada, que as membranas extracelulares (chamadas de membranas perimicrovilares) são originadas a partir de vesículas de membranas duplas que se originam ao nível do Complexo de Golgi. Estes resultados foram reforçados por outros dados bioquímicos e de fracionamento celular publicados na edição de dezembro de 1996 da INSECT BIOCHEMISTRY AND MOLECULAR BIOLOGY (Silva et al., 1996), os quais mostram que preparações enriquecidas nas membranas perimicrovilares obtidas em gradientes isopícnicos de sacarose de fato contêm a-glucosidase, além de outras proteínas marcadoras dessas membranas.

            Após a defesa da minha tese de doutoramento, intitulada “Fisiologia e Bioquímica da Digestão em Dysdercus peruvianus (Hemiptera: Pyrrhocoridae)”, permaneci no período de abril a outubro de 1994 no laboratório do Prof. Walter Terra, contemplado que fui com uma bolsa de Recém-Doutor do CNPq. Nesse período retomei os trabalhos sobre digestão de bruquídeos, aplicando as metodologias que tornaram o laboratório do Prof. Terra um ponto de referência importantíssimo no que diz respeito à digestão em insetos. Trabalhando com Z. subfasciatus, além dos aspectos bioquímicos e fisiológicos do processo digestivo, concentrei esforços para otimizar condições que viabilizassem a purificação de proteinases digestivas tipo catepsinas, desafio que remonta aos meus tempos de Mestrado. Esse tipo de peptidases digestivas representa mais um exemplo de um padrão encontrado em insetos que não tem similar conhecido em outros organismos, pois não é comum encontrar enzimas originalmente lisossomais agindo como enzimas digestivas, do mesmo modo que não é comum se observar membranas lipoprotéicas que se estendem no meio externo de um lúmen intestinal, como é o caso das membranas perimicrovilares dos hemípteros.

            Enquanto avançava nos experimentos com Z. subfasciatus e co-orientava uma estudante de Iniciação Científica durante o estágio de Recém-Doutor, o que resultou numa comunicação na XXIV Reunião da SBBq, eu recebi um convite para ser contratado como Pesquisador Associado na recém fundada Universidade Estadual do Norte Fluminense. Aceitei o convite feito pelo Prof. Elias Walter Alves, então Diretor do Centro de Biociências e Biotecnologia e me transferi em definitivo para a UENF em meados de dezembro de 1994.

            Na UENF venho dando continuidade às pesquisas relacionadas aos mecanismos de secreção das catepsinas digestivas em bruquídeos, bem como o envolvimento das catepsinas digestivas nos processos de detoxificação de proteínas potencialmente tóxicas das sementes de feijão. A UENF se mostrou um campo riquíssimo para colaborações. Para minha surpresa, descobri já em Campos dos Goytacazes que o Prof. Xavier-Filho também estava sendo sondado para contratação na UENF. O contato com o grupo liderado pelo Prof. Wanderley de Souza, principalmente através da colaboração com o Prof. Renato Augusto DaMatta, também expandiu muito as possibilidades de resolução de problemas que dependiam de um ataque experimental ao nível de ultra-estrutura celular, como os processos de secreção de enzimas digestivas de insetos e os processos de fusão de membranas.

            Inicialmente contei com duas quotas de bolsas de Iniciação Científica do CNPq, uma pelo sistema PIBIC e a outra advinda de um projeto aprovado pelo CNPq e intitulado “Organização do Processo Digestivo em Larvas do Caruncho Callosobruchus maculatus e as Relações de Resistência/Suscetibilidade de Cultivares do Feijão Caupi (Vigna unguiculata). Um dos meus primeiros alunos de IC na UENF, Emerson Guedes Pontes, foi escolhido para dar continuidade aos trabalhos de investigação do processo digestivo nas larvas dos carunchos do feijão. Seus esforços resultaram em resumos para as reuniões da SBBq, além de comporem os dados no artigo publicado na revista INSECT BICHEMISTRY AND MOLECULAR BIOLOGY (Silva et al., 1999). Para o segundo ocupante da quota de IC, Rodrigo Maciel Lima, propus uma investigação da ocorrência de proteinases serínicas no intestino das larvas do caruncho Z. subfasciatus. No ano de 1996, uma publicação na revista PLANT PHYSIOLOGY me chamou muito a atenção, pois pela primeira vez na literatura havia sido mostrada a ocorrência de proteinase serínica intestinal em bruquídeos (Ishimoto & Chrispeels, 1996), a despeito de que vários outros grupos não haviam detectado esse tipo de enzima, inclusive nosso grupo que mais havia publicado nessa área. Concluído seu curso de graduação, o Rodrigo reuniu dados para sua Monografia e para um artigo que publicamos posteriormente na revista ARCHIVES OF INSECT BIOCHEMISTRY AND PHYSIOLOGY (Silva et al., 2001a). Neste artigo, mostramos que de fato havia uma proteinase serínica minoritária no intestino das larvas de Z. subfasciatus, isolando-a e determinando sua especificidade frente a vários substratos sintéticos, além de uma comparação com o sistema proteolítico das larvas de C. maculatus e mais importante, mostrando que essa enzima é de fato capaz de hidrolisar um inibidor de a-amilase presente nas sementes do feijão comum Phaseolus vulgaris.

            Por esta época, em paralelo com o início da orientação do Emerson e do Rodrigo, continuei na UENF o isolamento e caracterização parcial de enzimas envolvidas na digestão do principal açúcar presente nas sementes de algodão que alimentavam a colônia do percevejo D. peruvianus. Em um artigo publicado na revista ARCHIVES OF INSECT BIOCHEMSITRY AND PHYSIOLOGY (Silva & Terra, 1997), mostramos a ocorrência e uma caracterização cinética de a-galactosidases responsáveis pela digestão de açúcares da família da rafinose. Também nesse período fui contemplado com mais dois financiamentos para pesquisa, um pela agência internacional IFS e o outro pela FAPERJ. Ambos previam o estudo da digestão dos carunchos pragas de feijão.

            No ano de 1999 iniciei uma co-orientação junto com o Prof. Xavier-Filho do doutorando Antônio Chagas Mota, o qual estudou o efeito da ingestão da proteína de reserva vicilina, encontrada nas sementes de feijão, sobre o desenvolvimento de larvas da broca da cana-de-açúcar Diatraea saccharalis. Anteriormente, o grupo do Prof. Xavier-Filho havia mostrado que tipos variantes de vicilinas causavam resistência de cultivares de V. unguiculata ao seu caruncho praga C. maculatus (). O mecanismo envolvido na resistência, segundo o Prof. Xavier-Filho, deveria estar relacionado à capacidade que vicilinas têm de se ligar a quitina, um componente encontrado numa estrutura interna do intestino-médio da maioria dos insetos, chamada de membrana peritrófica, ou a polissacarídeos encontrados na superfície das células intestinais (Sales et al., 2001). De fato, o Chagas mostrou que vicilinas de V. unguiculata se ligam à membrana peritrófica das larvas de D. saccharalis, levando a um retardo do seu crescimento, resultados publicados sob forma de resumos da SBBq e na revista JOURNAL OF INSECT PHYSIOLOGY (Mota et al., 2003).

            No primeiro semestre do ano 2000, comecei a orientar o meu primeiro estudante de mestrado, Fábio Vasconcelos Fonseca, e mais uma estudante de IC a Thaís Duarte Bifano. O Fábio trabalhou com a purificação de mais uma a-glucosidase, estabelecendo como excelente modelo para purificação adultos da cigarra Quesada gigas (Dissertação intitulada ). Ele também atuou em colaboração com outro mestrando à época, José Roberto da Silva e a Profa. Marílvia Dansa de Alencar Petretski sua orientadora, em um artigo que versava sobre um problema originalmente proposto pelo Prof. Walter Terra, o sistema das membranas perimicrovilares. Durante o meu doutoramento, nós havíamos proposto um modelo para explicar a origem ontogenética das membranas perimicrovilares, ou seja, de onde elas se originam dentro da célula e se organizam fora das células do epitélio intestinal (ver Silva et al., 1995). Agora queríamos investigar a origem filogenética do sistema perimicrovilar, ou seja, qual seria a ocorrência desse sistema em outras ordens relacionadas e inferir os grupos ancestrais de onde surgiram as membranas perimicrovilares. Mesclando técnicas de microscopia eletrônica de transmissão, imunolocalização e determinações de atividade enzimáticas em representantes dos grupos dos Paraneoptera, o qual engloba as ordens mais relacionadas aos hemípteros, mostramos que somente nos Condylognata, que incluem as ordens Hemiptera e Thysanoptera, ocorrem as membranas perimicrovilares. Esses resultados foram publicados na revista ARTHROPOD STRUCTURE AND DEVELOPMENT (Silva et al., 2004).